A ponte pênsil e o trem-bala

30-04-2011 15:06

 

Engenheirices II - A ponte pênsil e o trem-bala

 
Bom, esse é o primeiro post de uma série não-seqüencial de alguns sobre coisas, fatos, histórias e relatos que eu eventualmente achei incrivelmente interessantes da engenharia civil, e que eu gostaria de compartilhar aqui com vocês.

 

Começo então com uma pergunta: por que um trem-bala não pode atravessar uma ponte pênsil em alta velocidade?

Primeiro, vou explicar como funciona uma ponte pênsil. Não é nada muito complicado e eu me surpreendi com a genialidade e simplicidade no funcionamento dessa estrutura.

Antes das primeiras pontes pênseis, a construção de uma estrutura que atravessasse um rio era extremamente complicada e dispendiosa. Devia-se erguer diversos pilares para sustentar a ponte, e além disso, às vezes era preciso efetuar as fundações em solo mole, em alguns casos instável. O vão (distância entre lances de pilares consecutivos) possível de ser atingido era consideravelmente pequeno.

Isso ocorria, principalmente, porque nas pontes antigas se contava com a resistência à compressão (o ato de exercer forças contrárias “esmagando” o material) dos materiais (concreto, pedras, tijolos). Todos eles, principalmente o concreto, são bastante resistentes à compressão, mas chegou-se num ponto que mesmo essa alta resistência não era suficiente para as distâncias que as pontes e a profundidade dos pilares das mesmas tinham que ultrapassar (fazer um grande número de pilares, e todos eles muito grossos para resistir ao próprio peso e ao da ponte em si, se tornava extremamente caro).

Já o aço apresentava-se como uma opção alternativa ao concreto. Comparando em termos de tração (o ato de exercer forças contrárias “rompendo” o material), o aço é incrivelmente superior ao concreto. Ou seja, um cabo, ou mesmo uma barra de aço, sustentaria uma carga pendurada nela, enquanto uma coluna de concreto não agüentaria a mesma carga. Na realidade, o aço também é mais resistente à compressão que o concreto – só que nesse caso, você precisa de uma área considerável de aço, o que acaba tornando inviável o uso do material devido a custos, o concreto se torna uma opção bem mais barata.

Em resumo: o aço é conveniente quando é só puxado, enquanto o concreto é conveniente quando é só comprimido.

A ponte pênsil é a expressão dessa eficiência, de cada material trabalhando do melhor jeito possível.


Analisando esse desenho, é possível ver como a ponte funciona. Cada um desses retângulos representa uma seção do tabuleiro, o “corpo” da ponte. Essas seções são sempre comprimidas pelas suas “vizinhas” na direção horizontal. Já com os cabos (que só transmitem esforços nas suas direções), vejamos o que acontece:

 

As forças em vermelho são apenas representativas, sendo decompostas nas direções x e y (vetores em preto).

O cabo mais à direita, na horizontal, está sendo tracionado. O cabo na vertical, que sustenta (também sendo apenas tracionado) uma seção da ponte, transfere sua carga: parte dela vai para o cabo na horizontal, e parte vai para o cabo inclinado (setas para baixo). A força que o cabo inclinado faz (em vermelho, e na sua própria direção!) resulta numa reação no cabo na horizontal, que equilibra tanto a parte da carga que veio da ponte quanto a força horizontal.

No lance seguinte de cabos, inclinado, acontece a mesma coisa. As forças são equilibradas pelo próximo lance, que está ligeiramente mais inclinado. E assim por diante.

Muitos lances depois, temos o resultado final: os cabos em arco da ponte pênsil. As forças (na vertical – as forças na horizontal são equilibradas pelos cabos do outro lado!) são transferidas para os grandes pilares da estrutura.

Agora, por que o trem-bala não pode atravessar a ponte pênsil em alta velocidade. Dado o caráter da ponte, do concreto funcionar à compressão e os cabos de aço funcionarem apenas à tração, as seções do tabuleiro não são perfeitamente rígidas, e sim vinculadas por articulações (a natureza dessas articulações é algo muito curioso também, mas que infelizmente não vai dar tempo de explicar agora). Ou seja, todo o tabuleiro é, à grosso modo, como se fosse uma “ponte de plaquinhas” ligadas como dobradiças.

Se o trem-bala passasse a toda velocidade, o próprio peso do mesmo faria as seções “afundarem”, mesmo que só um pouco. Mas seria o suficiente para o trem se arremessar na inclinação gerada por ele mesmo, se estivesse numa velocidade muito alta, característica do veículo.

 
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